Tudo o que é fora do comum,
mesmo que pareça bom para alguém,
é tido pelos homens de bom senso como uma armadilha
– Cassius Dio.
A marcação das eleições para o dia 6 de Fevereiro de 2011 é uma má decisão do Presidente da República; legítima, mas má. A exposição de motivos da sua decisão não me convence, pois não tem bondade bastante para justificar a expurgação, de forma indirecta, de muitos cidadãos (em particular os na diáspora) do direito fundamental de voto – na forma activa e passiva – nas próximas eleições legislativas.
Esta decisão, expectável há muito (pelo que os partidos políticos, que não andarão a dormir, estarão preparados para o pleito), vem dar razão aos que têm vindo a público falar de um «recenseamento selectivo» na diáspora; mais: agrava a situação. Diga-se o que se disser, alguns factos objectivos são de ter-se em consideração na análise dos resultados que vierem a ser apurados: As próximas eleições legislativas far-se-ão (i) no quadro de um Caderno Eleitoral condicionado e não expressando a realidade do país, (ii) sob o espectro da expurgação ilegítima e inconstitucional do direito de voto de milhares de cidadãos cabo-verdianos na diáspora e em Cabo Verde, e (iii) de uma espécie de conspiração do establisment político cabo-verdiano para manietar o poder soberano de parte considerável do povo cabo-verdiano, em particular na diáspora.
Note-se que o direito de votar e de ser votado é um direito, uma liberdade e uma garantia fundamentais de soberania dos cabo-verdianos, não é coisa de somenos que possa ou deva vergar-se aos interesses dos partidos e a juízos de prognose económica – como faz o Presidente da República. Até seria admissível – tendo em consideração que não existem absolutos e que se poderia ter de ponderar, em concordância prática, os interesses do país e o dos cidadãos – uma limitação de tais prerrogativas constitucionais, mas nunca de tal forma e afectando o conteúdo essencial de tais direitos, liberdade e garantias fundamentais. Esta está expressamente proibida pela Constituição (CRCV), quer por via de norma legal quer por via da interpretação. E, neste quadro, a marcação da data das eleições para o dia 6 de Fevereiro é inconstitucional pois viola direitos fundamentais dos cidadãos cabo-verdianos. Leia-mos algumas das normas constitucionais violadas, antes de concretizar o juízo e as suas razões:
Artigo 15º da CRCV (Reconhecimento da inviolabilidade dos direitos, liberdades e garantias)
1. O Estado reconhece como invioláveis os direitos e liberdades consignados na Constituição e garante a sua protecção.
2. Todas as autoridades públicas têm o dever de respeitar e de garantir o livre exercício dos direitos e das liberdades e o cumprimento dos deveres constitucionais ou legais.
Artigo 17º da CRCV (Âmbito e sentido dos direitos, liberdades e garantias)
1. As leis ou convenções internacionais poderão consagrar direitos, liberdades e garantias não previstos na Constituição.
2. A extensão e o conteúdo essencial das normas constitucionais relativas aos direitos, liberdades e garantias não podem ser restringidos pela via da interpretação.
3. As normas constitucionais e legais relativas aos direitos fundamentais devem ser interpretadas e integradas de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
4. Só nos casos expressamente previstos na Constituição poderá a lei restringir os direitos, liberdades e garantias.
5. As leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias serão obrigatoriamente de carácter geral e abstracto, não terão efeitos retroactivos, não poderão diminuir a extensão e o conteúdo essencial das normas constitucionais e deverão limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos.
Isto é: o Presidente da República, ao marcar as eleições, tinha de ter em consideração que o Caderno Eleitoral não se encontra(va) completo, não somente em Cabo Verde mas especialmente na diáspora, onde muitos cidadãos ainda não se recensearam e nem poderão recensear-se nos termos da lei eleitoral que demanda a suspensão do recenseamento 65 dias antes das eleições. Mais: tinha de ter em consideração que estamos perante um novo Recenseamento Geral, e com as vicissitudes que são do domínio público. Ora, havendo locais onde o recenseamento não teve lugar, onde se fez por menos de uma semana, como é que podemos ter este Caderno Eleitoral como legítimo, como se pode garantir o exercício dos direitos fundamentais de soberania desses cidadãos cabo-verdianos? Não se pode! A lei é clara… e o presidente da República, como garante da Constituição sabe-o bem; pelo menos todos assim presumimos, salvo prova em contrário.
Com esta decisão presidencial temos, v.g., as seguintes consequências: (i) muitos cabo-verdianos que constavam do anterior Caderno Eleitoral, e que votaram nas eleições legislativas de 2006, não poderão votar, e muito menos candidatar-se às eleições se assim o desejassem… (ii) muitos cabo-verdianos que desejavam recensear-se e exercer o seu poder-dever soberano não o poderão fazer. Porquê? Porque o Presidente da República, Pedro Pires, convocou as eleições para uma data (6 de Fevereiro) que impossibilita qualquer alargamento do prazo de Recenseamento Geral, e esvazia de conteúdo o princípio da continuidade do recenseamento eleitoral que, de algum alguma sorte, poderia colmatar algumas deficiências do processo de Recenseamento Eleitoral (e parece que o princípio da oficiosidade foi, também, esquecido…).
Convocar as eleições é um poder-dever do Presidente da República, mas este poder-dever está vinculado ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos; o que violou, neste caso, e de forma flagrante – nomeadamente o Artº.15º., nº.1 e o Artº.17º., nº.2, 4 e 5 da Constituição da República de Cabo Verde. Tais direitos fundamentais foram afectados no seu conteúdo essencial: os direitos de votar e de ser eleito estão extintos (por insusceptibilidade de exercício) nas próximas eleições. E como falamos de capacidade jurídica activa e passiva eleitoral, estamos perante uma despersonalização dos cidadãos cabo-verdianos eleitores: a capacidade eleitoral é a medida dos direitos fundamentais eleitorais e expressão da personalidade jurídica eleitoral do cidadão enquanto parte do todo soberano.
Está-se perante uma violação grave dos direitos, liberdades e garantias dos cabo-verdianos! Mais: como o recenseamento é um dever, a decisão do Presidente da República (que merece censura nos termos expostos, sendo certo que é, em parte, causada pela ineficácia do Governo no plano da execução do Recenseamento Geral e por um Código Eleitoral deficiente) exonera, necessariamente, muito cabo-verdianos do cumprimento do dever jurídico de recensear-se e, consequentemente – de forma mediata – expurga-os do direito soberano de cidadania consubstanciado no voto activo e passivo.
E conseguirei perceber o Presidente Pedro Pires se, na sequência desta decisão – que é legítima nos planos constitucional e legal, ainda que errada (nem tudo o que é legítimo é bom e justo) –, vier a fazer aquilo que deve fazer: vagar a função presidencial e convocar eleições presidenciais logo a seguir às eleições legislativas de 6 de Fevereiro de 2011. É que, e isto um facto insofismável!, a prorrogação do seu mandato na última revisão da Constituição é uma aberração jurídica, um acto político legiferante do quinto mundo e impróprio de um Estado de Direito Democrático. Esta usurpação do poder soberano do povo, que os deputados da República – extravasando os seus poderes e competências e fazendo um uso inadmissível do direito de legislar (vernacularmente, pois em linguagem corrente diz-se Abuso do Direito) – imporam à nação é uma afronta à Constituição, ao Estado de Direito Democrático, à soberania popular e um desvio ostensivo, boçal mesmo, ao princípio da identidade do mandato outorgado por sufrágio universal e directo ao Presidente da República.
Foi, em verdade, uma subversão do sistema constitucional cabo-verdiano a outorga indirecta de mais 6 meses de função presidencial ao cidadão Pedro Pires. Está-se, neste quadro, perante um abuso do poder de legislar e de um desvio e usurpação dos poderes e das atribuições soberanas do povo pela Assembleia Nacional.
O povo sai à rua em S. Vicente, hoje. Mas o povo deveria ter saído à rua em todo o país, e há muito tempo! Não é somente o Monte Cara do Infante que precisa de acordar, não! É toda a gente, é todo o povo de Cabo Verde: em cada ilha, em cada rua, em cada praça, em cada ruela, em cada esquina, em cada casa, em cada consciência… e dizer-se em grito fundo: Basta!
Só o povo, o povo e não os seus representantes parlamentares!, tem o poder de conferir qualquer mandato, nos termos da Constituição (por via da eleição), ao Presidente da República. E o mandato presidencial é um acto jurídico receptício (um negócio jurídico), entre o povo eleitor e o candidato a Presidente da República que, eleito pelos cidadãos, se torna seus representantes durante dado período de tempo. E o povo deu 5 (cinco) anos ao cidadão Pedro Pires para presidir à República, a coisa comum. Vir a Assembleia Nacional dar-lhe mais tempo é um abuso!
Assembleia Nacional não tem um ius utendi et abutendi da vontade popular, não; não tem nenhum direito de usar e de dispor da vontade popular para dar o que só o povo pode dar. O povo conferiu poderes aos deputados na Assembleia Nacional, mas não lhe conferiu poderes absolutos! Os poderes da Assembleia Nacional e dos deputados são limitados pela Constituição e pelas competências que esta atribui à Assembleia… e nessas competências não estão, e nem poderiam estar!, a de alargar o mandato do Presidente da República. Esta alteração à Constituição foi feita à revelia da Constituição da República, do sistema político cabo-verdiano configurado por esta, e da vontade e poder populares. Foi feita de forma usurpadora, com desvio do poder soberano do povo e de forma abusiva! reitero.
A intervenção de um terceiro (a Assembleia Nacional, neste caso concreto), outorgando uma prorrogação do mandato presidencial é, no plano do Direito, inadmissível. Desde logo (i) porque é uma interferência ilegítima na relação jurídica de representação do povo cabo-verdiano pelo Presidente da República, pois não é parte na relação jurídica eleitoral entre este e o povo; depois, (ii) porque é uma subversão lógica e ontológica do sistema político cabo-verdiano cujo mandato presidencial é outorgado de forma directa pelo povo e não indirecta, i.e., pela Assembleia Nacional.
A Assembleia Nacional fez tabula rasa de princípios fundamentais do Direito, como, v.g., o princípio da não retroactividade, da identidade do mandato e da interpretação da leis (que é, ainda que constante do Código Civil, uma norma materialmente constitucional) para enquadrar a Constituição nos interesses eleitorais partidários. É um precedente gravíssimo! As regras não podem ser alteradas durante o jogo… não é? Pois foi o que a Assembleia nacional fez. E com este precedente, o que é que nos garante, a nós povo, que amanhã a Assembleia Nacional não decide prorrogar o mandato do Presidente da República não por seis meses mas por cinco anos?
O que nos garante que a Assembleia Nacional não venha a usurpar, de novo, os poderes soberanos do povo para atribuir um mandato (ou alargá-lo) de forma ad hoc a um Presidente da República? E isso num quadro constitucional em que este, por via da revisão constitucional, passou a ter o poder de dissolução da Assembleia Nacional e de demitir o Governo sem o Parecer vinculativo do Conselho da República? Nada. Nada a não ser a Constituição. Mas a Constituição só tem valor, só é garantia, se for respeitada; e ela tem sido tudo menos respeitada, tanto e tantas vezes que tem sido ignorada e violada!
Uma Assembleia Nacional que age assim não representa o povo; representa os partidos e os interesses destes. Uma Assembleia Nacional que age assim não é nem pode ser considerada um Areópago de uma nação que chamo e é minha. E se esta Assembleia Nacional não for profundamente remodelada ao nível dos membros que a compõem, não pode nem deve ser digna do voto dos cabo-verdianos. Não será – a continuar como está, a ser-me proposta como está na data das eleições – digna do meu voto.
E a Procuradoria-Geral da República – e perdoe-me Júlio Martins, Procurador-Geral da República, por quem nutro estima e consideração – a ficar nas covas, a não agir da forma que os seus deveres e as suas competências demandam. O que percebo, pois as circunstâncias falam por si: encontra-se acuado, e tem consciência do que pode e não pode esperar das suas iniciativas como defensor da legalidade democrática (o affair Procuradoria Geral da República versus Raúl Querido Varela é disso sintomático e, até, eloquente). E é por estas e muitas outras razões que o país precisa, como pão para a boca de biafrense, da instalação do Tribunal Constitucional e do Provedor de Justiça. O Tribunal Constitucional já só poderá ser instalado na próxima Legislatura, e o Provedor de Justiça terá de ser alguém que tenha a defesa dos cidadãos, dos seus direitos e interesses legítimos fundamentais, dos valores da Constituição como norte e fundamento da sua acção. E a verdade é que, neste momento, não existem condições para a sua eleição antes das eleições. Caberá ao Parlamento eleito na próxima legislatura fazê-lo, e nas circunstâncias em que ela estiver constituída…
A Assembleia Nacional não tem cumprido com as suas atribuições, e o seu desempenho tem sido sofrível em alguns momentos e muito mau noutros. Muito mau: v.g., (i) as omissões (não legislar quando deveria, por imposição constitucional, sobre matérias como a reforma da justiça – que demanda medidas para além das paliativas – ou a Acção Popular; não responder às Petições dos cidadãos, em claro desrespeito pelos mesmos) e (ii) as acções, nomeadamente a violação da Constituição – e neste plano avulta a revisão da Constituição à revelia da Constituição, nomeadamente no que concerne aos direitos, liberdade e garantias fundamentais e ao usurpar competências do povo atribuindo ao Presidente da República mais seis meses de mandato. (Não me atrevo a fazer um balanço, para não ter uma síncope! A minha opinião é de juízo denso e liminar: A Assembleia Nacional tem oscilado entre uma acídia e uma temeridade parlamentares – o Deputado Mário Silva falava, ontem, nos riscos de imprecisões ou deficiências normativas que os deputados tinham de correr em razão da pressa em aprovar o «pacote! da Justiça» – que não servem à nação, aos cidadãos cabo-verdianos e á sociedade em geral.)
O Presidente da República Pedro Pires sabe qual é o dia em que pode e deve considerar-se como Presidente de todos os cabo-verdianos; e os cabo-verdianos também sabem (deveriam saber!) qual é o dia em que deverão considerá-lo como Presidente de todos os cabo-verdianos. Além de “O Condecorador” , Pedro Pires arrisca-se – caso não aja de acordo com os princípios democráticos da Constituição que sustentou a sua eleição – a ficar na história como “O Usurpador”.
Os seis meses outorgados de forma inconstitucional e ad hoc, como se fossem «obras a mais» contratadas por dono de obra, serão seis meses de um Presidente dos partidos e dos deputados que aprovaram a alteração à Constituição em vigor; não serão do Presidente da Res Publica, pois não foi o poder soberano da República (o povo) quem lhos outorgou. Pedro Pires será, em tal situação jurídica, Presidente, sim! Mas será Presidente dos usurpadores do poder popular! do poder do povo. Nunca Presidente da República, do povo cabo-verdiano.
O seu silêncio, a sua aceitação desta indignidade, convertê-lo-á no Didius Julianus cabo-verdiano. Pedro Pires carecerá, em tal circunstância, de legitimidade quanto à origem, ressuscitará os fantasmas da Covoada, dos doze votos que derramaram o leite e enterrar-se-á na história com o epíteto que aceitar como libelo da realidade e da sua acção. Se o país precisa de um novo Governo e do Orçamento do Estado, também precisa de um Presidente da República com legitimidade popular e constitucional, não é Senhor Presidente da República Pedro Pires?
É claro que o Presidente da República deve vagar o lugar logo a seguir às eleições de 6 de Fevereiro. Esta é a única solução susceptível de satisfazer a Constituição e a ética democrática.
Um homem detentor do poder pode ter uma multidão de conselheiros, mas deve agir, sempre, de acordo com a sua consciência e o dever ser que a sua função política lhe impõe a cada momento. Dizia a minha amiga Helena Leite que a data das eleições teria sido, eventualmente, consensualizada… A data não foi consensualizada, nem tem de ser! Nem com os partidos nem com os Conselheiros da República! E muito menos com estes… e a revisão da Constituição deixou claro que este é um órgão meramente consultivo. O Presidente decide de acordo com (i) os poderes outorgados pelo Povo cabo-verdiano e (ii) os interesses do país, isto é: dos cidadãos e na salvaguarda dos direitos fundamentais destes como demanda a Constituição da República.
E não o fez!
Poderia tê-lo feito, mas não o fez.
Tinha espaço de manobra para o fazer; mas não fez.
Porquê? A crise económica internacional não é Estado de Sítio ou de Emergência para justificar a suspensão de direitos, liberdade e garantias fundamentais (e estes… são direitos que nem em tais circunstâncias – extremas, note-se bem! – podem ser feridos). Quer no plano formal quer substancial a decisão do Presidente da República está ferida de inconstitucionalidade. Agora, no quadro do pensamento expresso pelo Presidente da República, estranha-se o seguinte: que neste quadro de crise o Governo tenha tido orçamentos do Estado despesistas, e anuncie para a próxima legislatura mais do mesmo. Alguma coisa não bate certo; e não é difícil de perceber porquê é que a bota não bate com a perdigota…
Mas o que esperar de um Presidente da República que, fiscalizador da Constituição e dos seus valores, (i) aceita em silêncio conivente a violação de direitos fundamentais dos cabo-verdianos na alteração violadora de uma Constituição de que deveria ser o guardião, e, mais: (ii) beneficia com tal revisão ao aceitar tacitamente a prorrogação do mandato (que o povo não lhe outorgou!)? Com mais esta fica provado que o Presidente Pedro Pires – que noutros momentos elogiei, devidamente, por não se ter enriquecido à custa do povo cabo-verdiano, ao contrário de muitos que sem eira nem eira emergiram do vento e enriqueceram… – não tem uma cultura da Constituição e muito menos de defesa da Constituição. Mas pode vir a provar o contrário, pois a história julga; e eu estou a ver com os olhos da História, hoje!
Mais: todos os actos legislativos que venham a ser promulgados pelo Presidente da República Pedro Pires, depois de terminado o mandato de 5 (cinco) anos – e não cinco anos e seis meses! – outorgado pelo povo, são de ter-se como inconstitucionais, e deverão ser considerados como tais pelos magistrados cabo-verdianos que são, em última análise, os guardiões da Constituição e dos princípios e valores que esta plasma. Os deputados – assim como o Presidente da República – têm limites na sua acção, e não vale tudo o que decidirem! E não vale o que decidiram e decidem contra a Constituição, ainda que a coloquem no texto constitucional ou se apresentem como factos consumados. «Come e cala!» acabou, não é?...
E tenho de ficar por aqui, anotando que os cidadãos têm o direito de resistência, de não reconhecerem e não cumprirem com as leis promulgadas pelo Presidente da República findo o mandato. É que tais leis, em rigor, serão juridicamente inexistentes. Estamos numa confusão – pensará o leitor. Pois estamos – assevero-lhe. Mas é nisso que dá o postergar de valores em razão de interesses particulares. E nem a Assembleia Nacional deveria fazer a confusão (em sentido técnico-jurídico) entre as suas competências como representante do povo e as competências exclusivas e indelegáveis deste, nem o Presidente da República deveria, deve (ainda está a tempo de sanear o mal; ao menos este…) aceitar tal situação jurídica que é ilícita e inconstitucional. A solução é clara, o caminho inexorável; isto é, verdadeiramente, um teste ao Estado de Direito; ao Estado de Direito e aos homens que estão no poder da República.
E não vale a retórica do quadro político internacional para justificar o amordaçar dos eleitores cabo-verdianos, para violar os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais; o seu poder soberano. O que não é, não deve parecer que é; a não ser que seja. A Constituição não é Lucrécia!
E depois venham de lá, do pomo retórico, dizer-me que temos uma democracia… Ah, não! Cabo Verde é um Estado formalmente democrático, e em transição para a democracia. Ainda falta muito para consolidarmos a democracia, para termos uma cultura democrática e de respeito pela Constituição e seus valores. E as nossas fragilidades democráticas não justificam (não podem justificar!) tudo. Mas isso é outra questão… para outra altura, e outro foro.
Este texto é a minha presença na manifestação que hoje decorrerá no Mindelo, S. Vicente.
Imagem: Pedro Verona Pires, Presidente da República de Cabo Verde