terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

  • A JUSTIÇA DE SALOMÃO

Todos conhecemos a história das duas mulheres que reclamavam a maternidade de uma criança recém nascida. Salomão, sem saber o que fazer, pois não era possível saber quem mentia ou dizia a verdade, usou um meio de obtenção de prova hoje muito conhecida: a presunção.

Assim, ordenou que a criança fosse cortada ao meio e cada uma das metades entregues às pretensas mães. Uma, satisfeita, disse que assim estava bem, que desse modo a criança não ficaria nem para uma nem para outra. Mas a outra, ouvindo a sentença do Rei disse logo que não, que era melhor que a criança fosse entregue à outra mulher que se dizia, também, mãe.

Perante isso, Salomão mandou entregar a criança à esta última mulher; sabendo que ela era a verdadeira mãe: uma mãe nunca sacrificaria o seu filho para «ter razão» numa disputa, assim como uma mãe verdadeira perderia o filho para outra, sacrificaria a «sua razão» e a sua maternidade de facto pela vida do filho. Deste facto conhecido – que a mãe verdadeira nunca sacrificaria o filho – Salomão retirou um facto desconhecido até então: quem era a mãe verdadeira. A isto, modernamente, se chama prova presuntiva (na verdade é um critério de obtenção da prova).

O que nos parece sabedoria empírica era, já então, ciência jurídica. Mas (e este mas incomoda-me sempre que penso nisso), e se a mãe fosse uma pessoa casmura ou daqueles que querem ter razão a todo o custo e a outra não se tivesse denunciado com a sua atitude inhumana? O que faria Salomão, tendo dado a sua sentença e não podendo voltar atrás com ela? A história poderia ter outro fim, e hoje não veriámos em Salomão o sábio reputado e justo…

Mas Salomão, creio, conhecia bem a natureza humana; sabia que o melhor e o pior dos homens se revela em momentos destes. Num dado plano, é a conatus essendi de Espinosa que se encontra subjacente ao pensamento de Salomão. Um Juíz deve saber isso; sendo algo da ordem do extraordinário é, no entanto, uma ciência que se aprende… com o tempo. Aconteceu-me uma situação análoga, há alguns anos, no Tribunal Judicial de Avis. Contarei, aqui, depois…

  • Imagem: Salomão no seu esplendor

Sem comentários:

Enviar um comentário