sábado, 30 de janeiro de 2010

| A SENTENÇA PENAL

No momento em que se anuncia, para um futuro próximo, uma revisão do Código de Processo Penal, um dos temas em debate é a simplificação das sentenças penais, tendo em vista a sua desejável clareza e concisão. Questiona-se, no essencial, se essas sentenças devem estar sujeitas a uma estrutura lógica determinada ea que requisitos mínimos devem obedecer para serem consideradas válidas.

A lei determina – e ninguém põe isso em causa – que a sentença deve conter sempre, sob pena de nulidade, a razão de decidir, ou seja, a fundamentação em factos e no Direito, por muito sucinta que seja. Uma boa sentença é a que, de modo conciso, relata os factos, identifica os fundamentos (incluindo as provas admitidas e as normas aplicáveis) e conclui o silogismo formulando a decisão.

A concisão não significa mera indicação dos meios de prova, o que é insuficiente para a fundamentação. É necessária uma apreciação crítica do valor das provas, ponderando argumentos a favor e contra, de modo a que se compreenda como se formou a convicção do julgador. Mas tal apreciação não deve passar pela exibição de erudição doutrinária ou pela divagação sobre matérias laterais.

Apesar das dificuldades da linguagem escrita, uma sentença deve ser como um discurso oral em que os juízes dizem tudo num tempo forçosamente limitado. A sentença é um meio de comunicação que deve transmitir aos sujeitos do processo e a toda a comunidade o pensamento do tribunal, demonstrando como de premissa em premissa se chegou à conclusão, isto é, à decisão.

A decisão de uma sentença penal obedece à lógica comum da decisão de agir, estudada desde Aristóteles. Na verdade, uma sentença penal não é um mero silogismo teórico, formado por premissa maior, premissa menor e conclusão. Contém uma dimensão de silogismo prático, cuja conclusão se atinge por um salto criativo para a reconfiguração do mundo dos outros – o arguido, a vítima e a sociedade.

É este impulso, descrito por Aristóteles como a lógica dos desejos, que deve ser objecto de reflexão crítica do juiz. Como diz Paul Ricoeur, quem julga é o primeiro a dever colocar-se sob suspeita. Pergunta-se, aliás, se na sentença penal a fundamentação precede a decisão ou é uma sua justificação posterior. Se aceitarmos que o desejo comanda a acção, a decisão de agir só procura ulteriormente razões para se apoiar.

Quem profere uma sentença confronta--se inevitavelmente com a sua convicção pessoal, que pode equivaler ao desejo. Tem, por conseguinte, a obrigação de testar o rigor da sua convicção. Mas a questão fundamental, independentemente da ordem entre os fundamentos e a decisão,é saber se os primeiros são a "energia interna" da segunda ou apenas "razões" artificiais, inventadas a título póstumo. |
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----------- Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
in Correio da Manhã

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