domingo, 25 de outubro de 2009


OS PRINCÍPIOS DE BANGALORE E CABO-VERDE

Nos últimos tempos tenho ouvido falar e falar e falar (até na abertura do Ano Judicial — gostei do discurso de Júlio Martins, Procurador Geral da República, o mais conseguido na substância, em particular pela mensagem inequívoca do empenhamento da PGR na defesa intransigente da Constituição, da legalidade e das leis da República) dos princípios de Bangalore.
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Estes princípios sobre a conduta judicial existem desde 2001, mas foram, de repente, como que descobertos em Cabo Verde. Porque será? — pergunto-me. Os princípios em causa são, por natureza, inerentes a função judicial e nada, nada é inocente no mundo em que vivemos. Será por isso que ouvi tanta gente a falar desses princípios, da forma expressa ou velada? Talvez, mas isso pouco importa, pois não acrescenta nada que não se queira.
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Quando o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional fala de celeridade processual, está a falar em (i) competência, (ii) diligência, (iii) igualdade e, já agora, (iv) justiça, pois uma decisão não extemporânea é uma decisão injusta. Mas, pergunto o seguinte: — Decidir um recurso penal em três meses é justo quando se leva três anos sem decidir um recurso de poder paternal? É, será justo para o recorrente penal, mas injusto para a menor que espera… a igualdade material — de direitos no plano adjectivo — não se vislumbra em tal situação.

Os princípios não se resumem a meros enunciados, nem a meros objectos de discursos — devem ser aplicados! Por todas as instâncias, e para todos os cidadãos. Não importa quem é quem socialmente, mas sim quem é dono do seu direito, da sua justiça. Mas essa conferência sobre teve um objectivo político, naturalmente, e por isso é que o primeiro do princípio de Bangalore não deixou de ser referido na cerimónia de abertura do ano judicial: a independência dos juízes; pois claro.

Aí está uma temática que tem de ser discutida publicamente, não é nem pode ser matéria de discursos de circunstância e de discussões em circuito fechado. Afinal, como referiu Arlindo Medina, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional, ao se dirigir ao povo de Cabo Verde (que estava lá na pessoa dos seus representantes e por isso ouviu o que se disse lá…) — facto que é de aplaudir —, que o poder judicial se exerce em nome do povo e para o povo. Pois bem, é hora de dar voz ao povo, o que, afinal, é quem manda. Ou será que não?

Ouvi mais coisas que, por ora, não importam… sendo, no entanto, de registar dois notas práticos; (1) importar soluções que em Portugal se mostraram pouco práticas ou até mesmo desastrosas não é o caminho; (2) criar sessões no Supremo Tribunal de Justiça é um imperativo — que já defendo há algum tempo e que, com agrado, verifico ter eco na voz do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional. Será que o Primeiro-ministro e a Ministra da Justiça, que estavam presentes e bem presentes, ouviram o que foi dito e o que se quis dizer? Tenho a certeza que sim.

Mas será que, como com os princípios de Bangalore, só se dará conta e atenção quase uma década depois? Bem, estou a ser simpático… pois esses princípios são incidíveis da função jurisdicional nos Estados democráticos, sem eles o Estado de Direito não existe. Nihil novi sub soli, já dizia Coélet.

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